quinta-feira, 30 de agosto de 2007

As tristesas de Ana

Teatro
Personagens
Ana
Ricardo
João
(A cena se passa a porta da casa de Ana)
Ato Primeiro
Cena I
Prólogo: Ana estava ao choros sentada sobre os joelhos ao meio-fio, inconsolável. Quando de si aproximam-se dois amigos queridos, que de várias formas tentaram animá-la sem, contudo, experimentar algum sucesso. Até que João, admirador do poeta Victor Hugo, do bolso de sua calça jeans tirou um papel, mostrou a Ricardo que de pronto entendeu a intenção. E imediatamente os dois puseram-se a declamar:
João
Desejo primeiro que você ame. E que amando, também seja amado.
Ricardo
E que se não for, seja breve em esquecer. E que esquecendo, não guarde mágoa. Desejo, pois, que não seja assim. Mas se for, saiba ser sem desesperar.
João
Desejo também que tenha amigos, que mesmo maus e inconseqüentes, sejam corajosos e fiéis, e que pelo menos num deles Você possa confiar sem duvidar.
Ricardo
E porque a vida é assim, desejo ainda que você tenha inimigos. Nem muitos, nem poucos. Mas na medida exata para que, algumas vezes,Você se interpele a respeito de suas próprias certezas.
João
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo, para que você não se sinta demasiado seguro. Desejo depois que você seja útil, mas não insubstituível.
Ricardo
E que nos maus momentos, quando não restar mais nada, essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
João
Desejo ainda que você seja tolerante, não com os que erram pouco, porque isso é fácil. Mas com os que erram muito e irremediavelmente, e que fazendo bom uso dessa tolerância,Você sirva de exemplo aos outros.
Ricardo
Desejo que você, sendo jovem, não amadureça depressa demais. E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer, e que sendo velho, não se dedique ao desespero.
João
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor. E é preciso deixar que eles escorram por entre nós.
Ricardo
Desejo por sinal que você seja triste, não o ano todo, mas apenas um dia. Mas que nesse dia descubra que o riso diário é bom, o riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
João
Desejo que você descubra, com o máximo de urgência, acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos, injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.
Ricardo
Desejo ainda que você afague um gato, alimente um cuco e ouça o joão-de-barro erguer triunfante o seu canto matinal. Porque, assim, você sesentirá bem por nada.
João
Desejo também que você plante uma semente, por mais minúscula que seja, e acompanhe o seu crescimento, para que você saiba de quantas muitas vidas é feita uma árvore.
Ricardo
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro, porque é preciso ser prático. E que pelo menos uma vez por ano coloque um pouco dele na sua frente e diga "Isso é meu". Só para que fique bem claro quem é o dono dequem.
João
Desejo também que nenhum de seus afetos morra, por ele e por você. Mas que se morrer, você possa chorar sem se lamentar e sofrer sem se culpar.
Ricardo
Desejo por fim que você sendo homem, tenha uma boa mulher, e que sendo mulher, tenha um bom homem. E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes, e quando estiverem exaustos e sorridentes, ainda haja amor para recomeçar.
João
E se tudo isso acontecer;
Ricardo
Não tenho mais nada a te desejar.
Ao final da declamação, os três amigos entreolharam-se. Ana, enxugando as lágrimas ergueu-se, Ricardo e João a ampararam afetuosamente. Eles, os rapazes, não sabiam os motivos ou as tristezas da amiga. Não importava se ela sofria de amor; se fora traída por alguém em que confiava; se haviam sido intolerantes ou a magoado; quem sabe até o choro ocorresse por falta de dinheiro. Realmente não importava. O poema havia consumido em si quaisquer temas.
Não disseram mais nada uns aos outros e, sorrindo, os três saíram abraçados.